sexta-feira, 4 de agosto de 2017

A Vida não é um jogo de Batalha Naval

Descobri hoje, assistindo ao filme Dunquerque, que o prazer que eu tinha em jogar Batalha Naval na adolescência e até depois de adulta, era porque não me ocorrera pensar que, dentro das embarcações inimigas há seres humanos. Mais uma coisa (das tantas!) que perdeu, irreversivelmente, a graça para mim. Terei que reinventar o mesmo desafio espacial do jogo (tão bom!), usando outro motivo, que não seja guerra.

Dias passados, ouvi falar desse filme em casa e fiquei curiosa. Depois, li um texto, assinado por Ricardo Rangel, que cita uma frase de um célebre discurso de Churchill “Não se vencem guerras com retiradas”. E por aí, seguindo um encadeamento de pensamento confuso, o jornalista descamba para chegar a uma crítica absurda aos governos petistas, dizendo que eles ideologizaram o ensino. Lamentável! Não sei o quanto ele acompanha o processo de Educação no Brasil, mas, se quer defender a importância deste – no que teria meu total apoio – precisa se basear em pesquisa mais real e honesta, e não apenas em suas simpatias e antipatias próprias.

Hoje chega-me o texto “A arte da guerra” de Arthur Dapieve, que, de  certa forma , responde a seu colega, citado acima. Arthur ressalta o mesmo discurso de Churchill  (de quebra me fazendo saber que este ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1953!),  mas trazendo uma versão um tanto diferente: “Guerras não são ganhas com evacuações” – e, de quebra, alerta para o duplo sentido da última palavra, no inglês – evacuation. Dá pra pensar, assim, que o uso do termo retirada não foi uma boa opção. 
Continuando nos elogios à capacidade oratória de Churchill, Dapieve diz que ouvir a fala do primeiro ministro inglês o conclama a pegar um rifle e correr para uma trincheira - inglesa, como ele a situa.

Pois bem. Não consegui resistir mais a tanto estímulo e fui conferir, assistindo ao filme, que, no Brasil, é chamado pelo nome original – Dunkirk.
Por duas horas, sofri muito. Vi-me outra vez uma menina, num tempo em que os filmes da segunda guerra eram tão comuns e me faziam suar frio, ter taquicardia, esticar o corpo na cadeira, segurar o rosto, cobrir gritos imaginários com as mãos, tudo para dar conta de emoções tão maiores que meu frágil corpo. Mas, felizmente, as sensações não ficaram apenas por aí e me fizeram pensar, ligando o que vi ao que ouvira e lera.

O primeiro colunista, da mesma forma que a pessoa de minha família, ressalta a ausência de visibilidade dos inimigos alemães. Eu penso que é pra lá de oportuna essa estratégia, exatamente porque o que o filme faz é que sintamos que o grande inimigo não tem nacionalidade. Ele pode surgir de dentro de cada um de nós, nos sabotando, nos surpreendendo, nos atacando, nos fazendo maltratar o outro, rejeitá-lo, feri-lo, destruí-lo, nos tornando frágeis, doentes, perversos.
Poderíamos pensar que, em tempos de guerra, isso é natural. Mas que tempos na vida que conhecemos até hoje, não têm sido tempos de guerra?
A espécie humana, representada nesse caso pelos homens e pelo comportamento masculino, sob toda sorte de pretexto - de competição, por garantia de sobrevivência, de salvaguarda da propriedade, de proteção da família, de defesa da honra etc. etc. etc. – sempre viveu às turras e segue se especializando e se aparelhado mais e mais para matar melhor, para destruir em escala maior e maior e maior, servindo assim, cegamente, à Tanatos, a força mortífera por execelência.
Por outro lado, os parceiros (porque o termo aliado já me cheira mal, de tão desgastada) têm, em nós, a mesma origem. E resistem heroicamente ao combate interno, insistindo em que sejamos compassivos, solidários, indulgentes, honestos, persistentes e que acima de tudo não percamos a esperança na força da Vida - Eros.

Há momentos preciosos no filme, que nos fazem perceber o quanto podemos ser sublimes e o quanto podemos, igualmente, ser mesquinhos. Não tem sentido relatá-los aqui, mas ao assistir de coração aberto, a gente sabe exatamente porque o trecho do discurso de Churchill que encerra a apresentação fala de um mundo velho que se acaba, para que um mundo novo possa surgir.

O "Canal da Mancha" de nossos dias também precisa ser atravessado, para aqueles que sobrevivermos ao massacre de nossos ideais, de nossas conquistas arduamente construídas, da tentativa de nos tirarem a fé em nossos valores.
Sim, nós precisamos voltar para casa. Para o lugar, dentro de cada um, em que ainda exista comprometimento com o Bem.

Clarissa Pínkola Éstes, no livro “Mulheres que correm com os lobos” ensina que às vezes recuar pode ser a melhor estratégia, para traçar uma rota possível de defesa.

Pensando no Brasil de hoje e parodiando Churchill, eu diria que não será com essa “lambança” (pra não dar o sinônimo exato ao dejeto da evacuação forçada) que iremos ganhar a batalha em que estamos sendo metidos à força, como recrutas ingênuos. Mas que sirva de estrume todo o lodaçal que tem sido remexido e em que nos tem sido enfiado goela abaixo.


A transformação virá. O velho mundo agoniza e soçobrará, como uma embarcação inadequada. Questão de tempo. Há de vir uma humanidade nova, que não se erga sob os escombros de seus semelhantes. 

Em tempo: Se você mudar a localização da trincheira, Arthur Dapieve, conte comigo na defesa do território da esperança.

4 comentários:

  1. Da necessidade das utopias! os sonhos às vezes parecem morrer, então precisamos mesmo de gente como você, admiro demais essa tenacidade psíquica.

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    1. Heliete querida, dois anos depois, respondo a você, agradecendo seu apoio e generosidade.

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