quarta-feira, 24 de maio de 2017

Martírio

Martírio


Ontem fui assistir ao documentário de Vincent Carelli – “Martírio”.

Foi preciso determinação para, vivendo este calvário diário de notícias que nos indignam e que sugam nossa energia, aceitar o chamado generoso, mas convocatório, do criador da série "Vídeo nas Aldeias", que vem dedicando boa parte de sua vida a formar, entre os indígenas, outros tantos cineastas como ele, capacitando-os a registrarem as histórias de seus povos.

Gostei muito do filme! Incomodou-me muito pouco o fato do filme não ser editado dentro de um padrão comum. Compreendi que também esse formato de fazer cinema é um desafio, fidelidade a uma postura que é, antes de tudo, a opção por ser apenas e simplesmente real. Coisa cada vez mais rara...

Além do tanto que o filme me ensinou sobre o Brasil e suas mazelas centenárias, quero comentar aqui, dois aspectos, que me pareceram fundamentais:

O primeiro, aterrorizante, é o desmascaramento definitivo da tal bancada política chamada ruralista. O registro que aparece em "Martírios" traz a cara odienta e odiosa desses seres humanos sórdidos, que falam, sem nenhuma sombra de pudor, em expulsar, controlar, matar outros seres humanos. É necessário ver, por mais terrível que seja! Precisamos saber. É uma desilusão final inevitável, que nos leva a uma conclusão: são monstros, disfarçados de parlamentares!

O segundo momento é o da fala gloriosa de uma mulher indígena. Frente ao afrontamento da Polícia Federal, que lhe indagava repetida e arrogantemente 
- Quem é o líder desse grupo?, a mulher responde:
- Não tem um líder. Todo mundo aqui é líder. Eu, ele, ela, ele, ele, até o cachorro. Todos somos líderes.
E, frente à insistência do policial, ela apenas repete:
- Não temos líderes. Somos líderes. Todos nós.

Achei ma-ra-vi-lho-so!

A par disso, pensei, vivemos nós - os não indígenas - buscando líderes e ídolos a quem possamos seguir, que assumam responsabilidades por nós, que nos conduzam e que sirvam de bodes expiatórios, sempre que as coisas não saiam a nosso contento; que possamos idolatrar, para em seguida crucificar.

Sim, como o filme confirma, temos muito a aprender com nossos povos nativos. Até porque, não foram eles, sempre ameaçados de extermínio como se fossem praga, que nos ensinaram a degradar o meio ambiente, a poluir os rios, a matar desnecessariamente os animais, a envenenar os alimentos. Os povos indígenas não nos ensinaram ganância. Esta é uma doença que faz parte de nossa herança e eles seguem, imunes a ela, querendo apenas viver livremente, tendo respeitados seus direitos e costumes.

Num dado momento, um daqueles homens indignos do Congresso, em seu discurso absurdamente agressivo, diz que os indígenas não têm história. Que se valem de fantasias expressas oralmente, porque são inferiores. Quanta ignorância! Quanto desconhecimento do manancial precioso de riqueza que contêm as narrativas milenares de nossos povos nativos!


Conhecer e divulgar as histórias dos antigos, os mitos indígenas  - eu aproveito esse espaço e ocasião para repetir uma vez mais - é garantir uma parte fundamental de nosso território cultural, que sempre esteve e estará aqui, indelevelmente marcado, desde nossas origens. Nos mitos estão, simbolicamente expressos, os ensinamentos sagrados de nossa terra.  Mais do que nunca é hora de buscá-los!

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Meninas na construção de amanhãs


Sexta próxima, dia 26, a convite do Museu do Amanhã, estarei participando de uma mesa redonda, no evento cujo link aí vai.

Quem tiver disponibilidade e vontade, vá até lá. O programa está muito bem elaborado e promete trazer reflexões preciosas e, quiça!,  alguma esperança.




De meu livro "De parcerias e trapaças - histórias de ontem, para sempre" - Ed. Aletria


A aranha  e o quibungo


Contam, os antigos,  de um tempo em que aconteceu uma grande seca, lá na mata.  As árvores ficaram castigadas pelo calor intenso e quase não deram frutas naquela estação...
Os bichos foram ficando  famintos e andavam de cá pra lá, procurando o que comer. Até que os pássaros, que voam mais alto e tudo vêem, avisaram a todos que havia uma única árvore carregadinha de frutas, lá do outro lado do rio.  A notícia era tão boa, que os animais começaram a ir para lá,  aos bandos, para matar a fome que, naquela altura,  já era corrosiva.
A aranha caranguejeira, que estava faminta e não sabia nadar, ficou parada na beira do rio, se lamentando em voz alta:
- Ah! Pobre de mim que não sei nadar! Vou morrer de fome sozinha, aqui, enquanto todo mundo tá lá se banqueteando, enchendo o papo de fruta madura! Ah! Pobre de mim!!!!
De repente, ela viu que o urubu, que passava voando por ali, a caminho da fruteira e avistando-a, olhou para ela com ar de piedade. Bem depressa, ela aumentou o tom da reclamação e se pôs a chorar, aos gritos:
- Buááá!!!! Que infeliz que eu sou, por não poder voar! Pobre de mim,  que nem sei nadar!!!! Buáááá!!!!! Ninguém quer me ajudar a atravessar o rio... Buááá!!!!! Vou morrer de fome aqui, sozinha.... Buááá!!!!
O urubu não suportou ver  a aranha, assim, tão desamparada e resolveu ir socorrê-la. Deu meia volta no caminho que iniciara, pousou ao lado da desditosa e propôs:
- Ô comadre aranha, chore mais não. Olhe só: se a senhora quiser, posso lhe dar carona até o outro lado do rio.
- Ah, compadre urubu, você faria isso por mim?  - E dizendo isso, sem nem esperar resposta foi logo subindo, aos pulos, na cacunda do urubu e dizendo:
- Podemos ir, compadre! Voe logo! Se a gente demorar, não vai sobrar fruta pra nós!
E lá foram os dois, cruzando o rio,  pelos ares.
Bem  adiante, o urubu pousou, ao lado daquela grande árvore,  que ainda tinha muitas frutas. Mas, quando ia avisar a aranha que  já tinham chegado, levou um susto, porque ela já estava andando depressa em direção ao tronco da árvore, sem nem  lhe agradecer pela carona.
O urubu,  meio desconcertado, resolveu começar a saborear as frutas. No entanto, mal ele bicou a primeira fruta,  a aranha, que estava do outro lado do ramo, comendo apressada,  gritou de boca cheia:
- Essa aí, não, urubu! Essa fruta eu já tinha visto primeiro. É minha!
O pássaro, contrariado, mas se sentindo um tanto envergonhado, voou para outro galho e ia pegar uma fruta madurinha, quando ouviu a voz estridente da aranha:
- Pode largar essa aí, seu urubu! Essa eu tá tinha marcado pra mim!
E assim, cada vez que o urubu se preparava para comer uma fruta, grande ou pequena, mais madura ou menos madura, ouvia na mesma hora a aranha gritar:
- Larga aí! Essa também é minha!
Por fim, o urubu se aborreceu e muito contrariado, perdeu a vontade de comer e voltou pra casa.
A aranha  nem percebeu que ele tinha sumido. Continuou comendo, comendo, se empanturrou o mais que pôde, até que começou a escurecer e ela procurou o urubu para voltar pra casa.
Só, então, se deu conta de que estava sozinha no pé de fruta... Mal conseguia caminhar, de tão cheia que estava sua barriga, mas, sem alternativa, foi caminhando até a beira do rio e, lá chegando, começou a chorar de novo:
- Buááá!!!!! Buáááá!!!! Buáááá!!!! – berrava alto,  o mais que podia, esperando ser socorrida.
Não demorou muito e o jacaré que naquela hora estava mesmo voltando para seu cantinho, ouvindo aquela choradeira, ficou preocupado com ela. Aproximou-se prestativo:
- Ô comadre aranha, o que aconteceu? Por que a senhora está tão desesperada?
- Ah, compadre jacaré, não vê que o urubu me enganou? Aquele ingrato! Eu vim com ele, fazendo companhia pra ele poder comer as frutas daquela árvore e ele, que é mais rápido, encheu bem a barriga e foi embora, esquecendo de mim. Eu não sei nadar e não posso voltar pra casa.... Buááááá!!!!! Estou abandonada aqui! Buáááá’!!!!
O jacaré, cheio de pena, resolveu convidar a aranha:
- Olhe, comadre aranha, chore mais não. Hoje já tá muito tarde... Vamos fazer o seguinte: a senhora vem comigo, passa essa noite lá na minha toca e, de manhã bem cedinho, meus meninos atravessam a senhora. Tá bom assim?
- Ah, compadre jacaré! Você pode me hospedar essa noite? E manda me levar amanhã de manhã?
- Logo que clarear, eu prometo!
- Então eu  acho que vou aceitar...  – disse a aranha, fazendo jeito de acanhada, pra disfarçar o entusiasmo.
E lá foram os dois.
Mal chegaram na casa do jacaré, ele explicou aos filhos o que tinha combinado com a aranha e, muito gentil,  deu a ela um cantinho bem quente pra repousar, no ninho da jacaroa.
Logo ficou bem escuro e todos estavam deitados, prontos pra dormir. O casal de jacarés se acomodou num canto da casa e, do outro lado, ficaram a hóspede e as crianças.
De repente, os jacarezinhos ouviram um ruído estranho, que se repetia:
- Pac! Pac!
Começaram a rir,  e suas risadas acordaram o pai:
- Que bagunça é essa crianças? Vão incomodar nossa visita!
- É bufa da hóspede papai!!!! Ri, ri, ri, ri, ri !!!!!  - Riam muito, pensando que o som era  de puns que a aranha devia estar  soltando, depois de comer tanta fruta.
- Tenham modos meninos! Fiquem quietos e vão dormir! – zangou o jacaré.
Os filhotes se calaram, até que, passado um tempinho,  ouviram de novo:
- Pac! Pac!
Novas risadas, mais repreensões e os pac!, pac!, que duraram ainda um bom tempo. Era a aranha que, sem ser vista, ia comendo um a um todos os ovinhos da jacaroa, que estavam no ninho.
Assim, ninguém desconfiou de nada e a noite passou...
De manhãzinha, mal os primeiros raios de sol começaram seu ensaiou para clarear o dia, a aranha acordou a criançada e deu logo a ordem:
- Meninos, seu pai avisou que era pra vocês me atravessarem bem cedinho. Vamos embora!
Como  já tinham levado muita bronca do pai por causa da barulhada da noite e do desrespeito à visitante,  os jacarezinhos resolveram obedecer a aranha. Foram com ela direto para o rio e estavam,  já, no meio das águas, quando  lá na casa deles, sua mãe acordou e foi conferir seus ovinhos. Deu de cara com o estrago que a aranha fizera e começou a chorar desolada.
Revoltado com o que se passara, o jacaré correu até a margem do rio e começou a chamar os filhos, acenando para que trouxessem a aranha de volta, para ser castigada.
Lá, no meio do rio, os jacarezinhos perceberam o chamado do pai e disseram para a aranha:
- Nosso pai tá gritando pra gente voltar!
- Nada disso! Vocês não estão entendendo.  Ele está dizendo pra vocês nadarem mais depressa e que  voltem logo. Vamos com isso, meninos! Já estamos quase chegando...
Os filhotes do jacaré, confusos, obedeceram  mais uma vez à aranha e, assim que encostaram na outra margem, ela pulou em terra e saiu correndo, sem nem se despedir...
E por aí, seguiu seu caminho, andando e andando, sempre faminta e atenta ao que pudesse abocanhar.
O sol já ia alto e ela estava com fome outra vez, quando  avistou o quibungo pescando... O quibungo, aquele monstrengo peludo de que todo mundo já ouviu falar como “bicho papão”, tem uma boca nas costas, como se fosse um saco, onde guarda parte da comida armazenada, para comer mais tarde.
Enquanto pescava ia jogando pra trás cada peixe que fisgava, amparando com a boca das costas.
A aranha veio por trás dele, sem ser vista e se colocou bem juntinho daquele saco/boca, de forma que, quando ele jogava o peixe, ela saltava e  o pegava no ar, antes de o peixe ser recolhido.
Ficou ali e foi assim, comendo e  comendo os peixes, um a um, até que o quibungo cansou de pescar e apalpou o saco para conferir seu farnel. Levou um susto: estava quase vazio! Ele se virou  depressa e deu de cara com a aranha, redonda e lenta, de tanto peixe que comera. Entendeu logo o acontecido  e rosnou:
- Dona aranha, me devolve meus peixes!
- Que peixes, quibungo? Tô chegando aqui agora... Não vi peixe nenhum.
- Me dá meus peixes, dona aranha, que eu não sou bobo!!!
- Pára com isso, compadre quibungo! Não sei nada de seus peixes!
- Ah, não! A senhora não me engana!
E o quibungo ia partindo pra cima dela, furioso, quando passou, voando, um juriti.
A aranha, ardilosa que só,  não perdeu tempo e gritou:
- Ah, juriti! Como você é ingrato! Passa por mim e nem cumprimenta! Se eu soubesse que era assim, tão mal agradecido, não tinha te feito ficar tão bonito!
O quibungo, que sofre muito por se sentir muito feio e desajeitado ao ser, constantemente, chamado de horroroso, vendo a graça e a leveza do juriti voando, se interessou pelos poderes da aranha:
- Dona aranha, a senhora é que fez o juriti bonito?
- Claro! Você nunca ouviu falar como ele já foi feio e pesadão, feito um quibundo velho? Ah! Desculpe, não quis lhe ofender... Mas isso pra mim é isso é muito fácil de fazer! Só é triste saber que ele é tão mal educado que não reconhece minha ajuda...
- Ah, dona aranha, a senhora sabe fazer o que  é feio ficar bonito?
- Pois num tô te dizendo...
- Então, vamos combinar uma coisa: se a senhora me fizer ficar bonito, eu nem brigo mais com a senhora por causa dos peixes. Eu tenho tanta vontade de ser bonito!
- Pois é pra já! Estamos combinados. Mas você tem que me ajudar.
- Faço tudo que for preciso.
- Então vai lá no mato e traz um tronco bem grosso e bem forte.
- Precisa disso pra eu ficar bonito?
- Faz o que estou mandando!
E o quibungo, já sonhando com sua belezura, nem discutiu. Voltou logo depois, arrastando um tronco enorme.
- Tá bom assim, dona aranha? Este serve?
- Deixa eu ver... É, tá bom. Cava agora um buraco na terra e enterra ele, deixando uma estaca pra fora, bem firme.  – ensinou a aranha.
E ficou assistindo o trabalho do quibungo que fazia tudo que ela mandava, com entusiasmo e rapidez.
- Pronto! Tá firme que só! – mostrou o quibungo, orgulhoso de seu trabalho.
- Deixe eu ver. Empurra bem prum lado e pro outro. É parece firme mesmo.
- E agora, dona aranha? O que falta?
- Você agora vai procurar o cipó mais forte que encontrar. Corte e traga pra mim uma quantidade grande dele.
- É pra já! – E partiu o quibungo de novo pra dentro da mata. Demorou um pouco e voltou com um rolo de cipó.
Encontrou a aranha quase dormindo,  tranquila, tranquila, encostada no tronco, quase sorrindo, como quem sonha...
- Olhe aqui, dona aranha. Cipó melhor não há.
- Deixe ver. Ah! Tá bom.  Pois agora você fica de pé, bem juntinho do tronco. Paradinho!
O quibungo obedeceu prontamente. Pegando a ponta do cipó, a aranha  foi enrolando o fio grosso em volta do tronco, com todo cuidado e paciência, amarrando o quibungo, bem forte.
- Pra que isso, dona aranha? A senhora fez assim com o juriti também?
- Fique quieto aí, quibungo! Com cada um é de um jeito! Paradinho! Paradinho!
Quando acabou de enrolar todo o cipó, bem justo,  ela ordenou:
- Agora faça força, quibungo! Muita força, pra ver se está firme.
Ele obedecia e ela apertava mais e mais o cipó, prendendo o bicho com tanta justeza que ele mal conseguia respirar. E gritava:
- Faça mais força! Tente arrebentar o cipó, quibungo!
O  quibungo inchava, inchava e não conseguia se soltar.
- Tá bom! Agora vamos começar! – disse a aranha.
Então, enquanto o quibungo quase sufocando, tentava sorrir de satisfação, já  imaginando quão bonito ia ficar, a aranha pegou uma faquinha bem afiada, foi subindo pelo quibungo e começou a tirar lasquinhas do corpo do coitado. E ia saboreando os pedacinhos do quibungo, estalando a boca de prazer.
A cada corte, o quibungo urrava de dor e gritava por socorro, mas a aranha nem ligava.
Comeu, comeu,  até encher a pança e depois foi embora, deixando o pobre quibungo quase desmaiado de tanto sofrimento.
No dia seguinte, voltou e continuou a devorar o quibungo, sem pressa, nem tendo nenhuma pena de ver o desgraçado tentar de soltar, implorar, esbravejar. E o suplício continuou por muitos dias...
Cada dia mais fraco, já quase morto, o quibungo pedia socorro aos bichos que passavam. Mas como ele tinha fama de devorar os filhotes dos outros (por isso é conhecido como o Bicho Papão), ninguém o ajudava e ele ia definhando, sem ter mais esperanças, quando viu passar o cupim e apelou:
- Cupim, me socorra! A aranha caranguejeira está me devorando! Por caridade, roa esses cipós e me solte!
- Eu não! Pra depois você comer os meus filhotes? – respondeu o cupim.
- Eu prometo que nunca mais como os filhotes de nenhum cupim. Me ajude, compadre, me acuda!
Então, achando que aquele trato poderia ser  bom para sua família e seus amigos, o cupim chamou os companheiros e num instante eles deram cabo de todo o cipó, libertando o quibungo, que, a essa altura,  já era quase um esqueleto...
Mas e a aranha? Essa já ia longe, barriga cheia e bem satisfeita da vida...
Só que o quibungo jurou vingança. Aquilo não ia ficar assim. O tempo passou, ele foi se recuperando, mas não esquecia a crueldade daquela aranha.
Até que aconteceu de haver, de  novo,  uma grande seca... Dessa vez, os rios estavam quase vazios  e só tinha restado uma lagoa pequena, para onde todos os bichos iam matar a sede.
O quibungo pensou que podia ser a oportunidade de pegar a aranha. Em algum momento ela ia aparecer, por ali, para beber água.
Mas a aranha também andava mesmo preocupada com  esse possível encontro. Daí, bolou um plano: encontrando uma pele ressecada, presa somente pela caveira de um veado, que morrera esturricado pelo sol, ela se enfiou debaixo dela e foi, assim, disfarçada de veado, meio manco e todo desajeitado, até a beira do lago.
Quando viu aquele bicho estranho chegando, todo troncho e cabisbaixo, o quibungo ficou penalizado.:
- Cruzes, compadre veado, ‘cê tá acabado, hein! O que lhe aconteceu?
Lá debaixo da pele, a aranha fez voz de veado maltratado e respondeu:
- Ah! Você nem queira saber, compadre quibungo... Foi a aranha  caranguejeira, aquela desalmada, que me pegou e quase acabou comigo!
- Com você também? Pois eu bem sei o que você está passando! Comigo ela fez  a mesma coisa! Mas ela me paga! Estou aqui esperando aquela maldita!
Bem depressa, a aranha bebeu toda a água que pôde e saiu, de mansinho, ainda desejando:
- Tenha um bom encontro, quibungo!
E se  afastou debaixo da pele de veado, se arrastando pelo morro acima, até estar bem distante... Então, jogando fora a pele, subiu numa árvore bem alta e gritou pro quibungo:
- Quibungo! Quibungo! Uuuuuu!!!!!! Sou eu, olha aqui!!!!
E, antes que pudesse ser alcançada, se afastou ligeira pela mata adentro.

... e quem contou isso, há muito muito tempo atrás, garante que até hoje essa história  ainda não acabou...

História que apresenta elementos de origem africana (recolhida por Silva Campos entre os trabalhadores negros do Recôncavo da Bahia, o que o fez identificá-la como de  origem africana, especialmente da Costa do Ouro, dos negros do grupo Tshi ou Ashanti, em cuja literatura oral a aranha domina como centro de interesse. No entanto, os episódios não são exclusivos da literatura oral africana. Couto de Magalhães em O Selvagem, divulgou as lendas da raposa, colhidas nos sertões do Mato Grosso, entre indígenas  da família linguística tupi ou mestiços dos mesmos grupos, que trazem elementos coincidentes, o que faz com que seja um belo exemplar da junção de duas mitologias preciosas: indígena (de nossa terra) e africana.



quarta-feira, 17 de maio de 2017

RETOMANDO A CONVERSA...

Depois de tanto tempo na linha de frente das redes sociais, volto a encontrar uma trincheira para mandar, por aqui, meus recados.
Tomara que possamos nos encontrar aqui muitas vezes.